Tribo Skate
Primeira capa Tribo Skate
A década de 90 teve um início conturbado no Brasil. O país estava em meio à uma crise econômica, politica e social, que levou um governo presidencial a terminar em impeachment, e deixou o país em uma situação assustadora por causa da crise inflacionária que assolava todos os estados brasileiros.
O setor da indústria do skate foi só mais um a entrar em crise. As dificuldades econômicas causaram o fechamento de todas as revistas de skate em circulação no país. Revistas conhecidas desde a década de 80 como a Overall, Yeah, Skating e SkateNews em pouco tempo deixaram de existir.
Porém em meio à toda essa turbulência, a união de forças de uma “tribo” de apaixonados pelo skate e com vontade de continuar difundindo essa paixão, levou o grupo a lançar em setembro de 1991 a Tribo Skate.
Desde então, a revista se tornou testemunha fiel da história do skate no Brasil e do mundo. Nesse ano de 2012 o universo do skate está orgulhoso de comemorar 21 anos de veiculação da mais antiga revista de skate do Brasil em circulação.
Para contar um pouco dessa história, o ESPN.com.br/SKATE conversou César Gyrão, que foi quem tornou grande parte dessa longa jornada possível.
Aos 50 anos e com 37 de skate, Gyrão, fundador e editor chefe da Tribo Skate, voltou no tempo para contar histórias que ajudaram a construir o legado de duas décadas de uma das mais respeitadas revistas de skate brasileiras.
Tribo Skate
A capa da edição 203, especial 21 anos, estampa Otavio Neto num bs ollie no Clube Alto de Pinheiros,SP
ESPN.com.br/SKATE: Qual é a sensação de ver a Tribo Skate completar 21 anos?
César Gyrão: Quando a gente começa alguma coisa a gente fica imaginando o que vem pela frente. Eu estou tentando criar na minha cabeça um campo do que vem daqui pra frente também. Porque quando se olha para trás, a gente se enche de orgulho para falar do que a gente conseguiu, né?
Por mais dificuldades que se tenha passado em determinados momentos, a gente construiu um negócio muito sólido, muito forte, criou uma identidade.
Eu já vi skate na pele de algumas pessoas, sabe a Tribo Skate, o logo da minha revista estampado em alguns caras que gostam, que se identificam com a ideologia Tribo Skate.
Então é um tremendo de um prazer, um tremendo de um orgulho, a gente saber que construiu um negócio tão legal.
Como surgiu a ideia de montar a revista em 1991?
As revistas dos anos 80 acabaram. Eu trabalhava na Overall, a Cecilia Mãe, o Fabio Bolota e o Shin também trabalhavam na Overall. A revista era da Editora Trip, eles continuaram com a editora funcionando, mas eles fecharam o título.
Ficou mais ou menos um ano e meio sem revistas de skate no brasil. Tinha acabado a Overall, Yeah, a Skating, SkatingNews, que eram revistas de circulação regular que tinha no Brasil. Overall foi a última a morrer.
Eu criei, chamei os amigos e a adesão foi imediata de vários amigos. Guto Gimenez, o Marcos ET, a própria Cecilia, Ivan Shupikov que era fotógrafo, o Hélio Greco, o Bolota, o Daniel Bourqui.
Com esse material, a gente juntou as pessoas, e alguns amigos que tinham as marcas resolveram abraçar a ideia conosco e a gente concretizou em setembro de 91.
A primeira Tribo Skate, com 24 páginas de miolo, 4 de capa , miolo preto e branco e capa colorida e assim perto do que se fazia antes nas revistas, ela era quase um fanzine.
Ela nasceu com 5 mil exemplares. A gente começou a distribuir nas lojas, e foi ai começamos a atingir o Brasil, muitas vezes a gente mandava pacotes de revista junto com malote de material de roupa de peças de skate, que iam para as lojas do Brasil inteiro.
Então depois de dois meses a gente fez a segunda. E ela nos primeiros três, quatro anos ou um pouquinho ela foi bimestral. Aí lá pra 96, 97 nos tornamos mensais. A primeira revista de fato, brasileira mensal. Aí a gente já tinha a tiragem de 30 mil exemplares e a coisa já tinha tomado corpo.
Mario Romario
Fellipe Francisco, fotógrafo da revista, no outro lado das lentes
Ana Paula Negrão
Jéssica Florêncio, flip, roof to roof, California
Como foi fundar a revista em uma época de difícil para o país e para o skate?
O plano Collor foi o fator que meio que deu uma transformação nas empresas de skate. Todas balançaram, assim como empresas de todos os setores. E ai nessa reconstituição foi que decidimos que iamos unir e criar um canal de comunicação que fosse também uma base de informação.
Então quer dizer a gente não era somente uma revista, a gente atendia o Brasil inteiro para dar informações sobre as coisas, para direcionar, cada um que queria construir alguma coisa, criar uma associação.
A gente sempre pegava as pessoas que eram cabeças pensantes da época e fazia essas conexões, então foi realmente uma época bastante difícil porque ainda apanhávamos da inflação.
No primeiro ano da Tribo a superinflação dominava então tinha uma série de índices econômicos, a gente fazia contratos com o dinheiro da época e tinha várias medidas financeiras que a gente tinha que fazer para lidar com essa situação da inflação descontrolada no Brasil.
Mas felizmente a gente conseguiu com ajuda ir costurando as coisas, ir se ajeitando, ganhando força, o mercado foi se recompondo, os eventos voltaram a acontecer.
E de 91 pra cá, houve sempre uma linha tênue de estabilidade. Por isso conseguimos acompanhar muitas conquistas brasileiras como Brasil campeão mundial de skate na Alemanha com o Digo em 95, logo na sequência o Bob ganhou em 96 no Canadá uma etapa do mundial, depois o piolho no ano seguinte. Então as coisas foram assim a gente foi acompanhando o boom do skate brasileiro no mundo junto com esses personagens que estavam ali junto conosco.
Quando a revista foi criada, qual era objetivo de vocês em relação ao mundo do skate?
Era um veículo de comunicação especializado, que falasse a linguagem do skate, a linguagem que o pessoal queria ouvir. A gente tenta colocar tudo em uma escala de importância que cada um tem dentro da sua contribuição para fazer o skate funcionar.
Fellipe Francisco
Rene Shigueto, casper, ditch californiano.
Não é um grande número de revistas segmentadas que conseguem sobreviver por muito tempo. Qual foi o maior desafio para continuar que a revista encontrou para manter a revista durante esses 21 anos?
A gente tem que ter os aliados que são as marcas. Porque as marcas são criadas para satisfazer os desejos que a gente tem. A gente tem desejo de ter uma boa roupa pra vestir para poder demonstrar o estilo de vida que a gente tem, o esporte que a gente representa e umas características até de uso. Você tem um bom tênis para andar de skate é diferente de um tênis pra corrida. Então as marcas especializadas tem um veículo servindo de estrutura para divulgar.
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A gente construiu um negócio muito sólido, muito forte, criou uma identidade.
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--César Gyrão
Tribo Skate
Tribo Skate- CAPA Punk
Na sua trajetória dentro da revista quais foram os momentos que mais te marcaram? As grandes matérias, grandes edições?
A revista sempre foi feita por uma equipe, por cabeças, por pessoas diferentes.
Eu tenho assim entre outras coisas muito orgulho de ter feito parte de alguns grandes momentos do skate brasileiro que a Tribo estava ali, dando uma bela de uma contribuição.
Uma delas foi um campeonato de 1998 no Ginásio Mauro Pinheiro ali no Ibirapuera, que foi o primeiro campeonato da WCS no Brasil.
Acho que vieram uns 16 competidores internacionais. Vertical, street, fizemos alguns shows no ginásio. Foi o Tribo Skate World Cup Contest, ele foi experimental e no ano seguinte ele passou a valer pro ranking. Foi um grande orgulho a gente ter participado disso, ter servido de base para isso.
Como esse momento de evento, a gente tem matérias e reportagens interessantíssimas. A gente fez matérias de capa como sobre a história do skate shoes, que é o tênis especial para skate.
A gente fez uma edição bem legal que foi a história do skate punk, a número 66 foi dedicada ao skate punk.
Eu fiz uma entrevista com o Bob na edição 91, que foi muito legal. Foram 23 páginas num momento bem legal dele, com vários aspectos da vida dele.
Todas as viagens para Europa, Eurotour, hoje elas não aparecem com a ênfase que tinha antes, porque os eventos perderam um pouco de força, mas a gente participou de N viagens para Europa. A nossa primeira edição tem o mundial da Alemanha, tem eventos feitos em outros países. A nossa primeira ida com a nossa equipe, ai foi em 93. Foram vários momentos bem legais.
Várias capas que a gente criou. A capa da edição 100, a gente teve um trabalho do Espeto (Paulo), que é um artista bem conhecido e ele fez capa 10 e a 100. Ele fez uma arte com um board e um número 100 escrito em cima com tipo um selo e tinha umas peças em tipo 3D.
Outra edição que a gente fez em 2007 acompanha um óculos e umas fotos manipuladas em 3D, para as pessoas terem uma experiência sensorial, foi bem legal também. Teve muitas coisas legais, como a primeira capa de skate feminino que foi nossa, com a Patiane Freitas descendo o corrimão.
A gente tem orgulho, tem várias coisas muito legais e dá para ficar enumerando horas.
Roberto Tatto
Cesar Gyrão no Red Bull Generation, Rio Tavares, Floripa, 2012. Fs grind.
Tribo Skate
Capa Patiane Freitas
Para essa edição especial de 21 anos, como funcionou a escolha das matérias de aniversário da Tribo Skate?
Então o Otavio surgiu depois que a gente estava com todo o material na mão. A capa tem que comunga com o conceito da edição. E o Otavio ali para nós era o que mais resumia a ideia que a gente tinha com relação a essa edição.
Digamos assim: Foi apostando em um setor do skate que tem um pouquinho menos de frequência, que é o skate feminino, aí a gente fez a Jessica Florêncio.
O Otavio, ele começou se revelando como skatista e depois como fotógrafo na revista. Ele até hoje colabora com fotos conosco, mas ele durante um determinado tempo ele era um fotógrafo do nosso staff. Então maior orgulho falar, “ o cara tem fotos do mundo inteiro publicadas na nossa revista.”
O Fellipe Francisco é um garoto que hoje se sobressaiu muito na foto, ele anda muito de skate, e ele se tornou pro agora no skate também. Ele conta na entrevista dele nessa edição que o cara que deu o pontapé inicial para ele se tornar fotógrafo, foi o Otavio. Teve um lance assim, quando eu e o Otavio estivemos na edição 95 em Belém do Pará, que é a terra do Felipe. O Otavio uma hora foi andar e viu um menino lá que tava com uma câmera e disse “ você pega a minha câmera e tira uma foto pra mim?”
Aquilo lá virou a chave na cabeça do Felipe. Anos depois o Felipe mudou aqui pra São Paulo pra tentar a vida com 19 anos, e agora ele tá lá na Califórnia tirando fotos.
O Rene Shigueto que é um cara do freestyle, 37 anos, não é mais uma criança, mas ele tem uma leitura do estilo livre dentro de ambientes da rua, usando transição. É uma entrevista muito linda. Ele já teve capa do estilo livre na Tribo, teve uma edição dele, que ele fez uma manobra em cima da OCA do Ibirapuera, é linda a capa.
E foi assim, nessa edição uma coisa fechou com a outra na e gente embrulhou de presente ai para todo mundo.
Marcelo Mug
Otavio Neto, ss hurricane, São Paulo
Tribo Skate
TRIBO SKATE- MASSACRATION
Como você vê o cenário do mercado editorial neste momento?
A revista já faz parte da vida de muita gente, e muitos sabem a importância que tem um veículo impresso de circulação mensal, nacional, com uma tiragem boa,chegando nas mãos das pessoas. Aquilo influência a vida de muitas e muitas pessoas.
A gente faz um produto cada vez mais fino, com um critério de qualidade sempre crescente, sempre mais afiado, suporte na internet, no tablet, entrando como uma realidade para conversar e para suprir as pessoas com as informações que elas precisam na velocidade que elas precisam, com um selinho, que é o selinho Tribo Skate, que é um selinho onde tem sangue, suor, cerveja, (rs). Que tem uma gama de valores que são fundamentais para ele ser o que ele é.
Então é meio por ai a gente vê a revista sintonizada com os personagens que fazem o skate, os que vão vir e os que já tem longas histórias para contar, que são as nossas referências.
O nosso papel é fazer filtros, é colocar as coisas de uma maneira clara e polemizar também o que é necessário. Porque as vezes a gente tem que brigar por determinadas questões para manter as conquistas que já temos dentro do skate. Desde coisas básicas como premiação em dinheiro só para o profissional e não para o amador. Até coisas mais deletérias que são coisas ligadas a outros planos como ideias de personagens que fazem uma ligação do skate com arte, com música, enfim tudo isso e mostrando que o skate hoje faz mais do que parte e faz uma contribuição para a comunidade melhorar.
Daniel Zeta Rojas
Douglas Dalua lidera o circuito mundial de speed.
Como vocês definem essas tendências que vocês vão seguir? O conteúdo da revista é disponibilizado online, como que a revista se adapta a essas necessidades de mercado?
Para sobreviver a gente vai fazer primeiro o nosso trabalho é feito em cima da captação de conhecimento e preparação. Como que a gente vê isso hoje, para continuar a ser uma central pensante do skate brasileiro. A gente está sempre ouvindo o que as pessoas esperam da gente. Então a gente está percebendo isso, percebendo que precisa ter um campo de vídeo mais frequente dentro do nosso site. O nosso site é de 96, ele um dos 10 primeiros sites de skate do Brasil, deve ser o 3º ou 4º.
Para isso contemplar cada coisa com um peso, para casa vez mais as pessoas na decisão “ de para onde eu vou?”, e a Tribo tem esse papel de traçar, servir de baliza para muita gente, porque a gente coloca experiência, coloca as pessoas que estão chegando, que estão trazendo as necessidades, que falam, pô, isso é legal. Isso daqui não é legal e vai acabar atrapalhando futuramente tais e tais setores dentro do skate, e a gente tenta fazer esse papel.
Tribo Skate
Capa com Bob Burnquist.
E vocês estão conseguindo conquistar essa nova geração?
A gente tem um público consumidor da Tribo e do próprio site que está ali a gente tá sempre se renovando. É até interessante isso, porque a gente esta participando como patrocinadores das três pesquisas DataFolha no Brasil, três pesquisas quantitativas. A gente percebe que a faixa etária já aumentou um pouco do praticante do skate.
Tem mais gente que continua praticando o skate mesmo com o avanço da idade. Eu mesmo, com 50 anos, ando de skate a 37 e não vou parar tão cedo. Entendeu?
Mas além disso a renovação está sendo feita. Normalmente quem abraça e descobre esse universo vai ficar. E não é a toa que nos temos 4 milhões de avaliados nessa ultima pesquisa (2009) e o número está sempre equilibrado e aumentando. E dificilmente isso retrocede. Agora o skate está se tornando mais popular, tendo mais pessoas do skate influenciando em outras áreas, como politica, na parte empresarial. O skate tem muita contribuição.
E nesses 21 anos de Tribo, você se considera um skatista/editor/jornalista ou um editor/jornalista/skatista?
Olha eu acho que começa com skatista na lista. Eu acho que depois vem as coisas ligadas a responsabilidade. Quando você está em cima do skate tudo fica um pouco mais claro, fica mais fácil.
Você sabe que precisa descer aqui, subir lá, e pra subir você sabe o risco que tem de cair , então é meio por ai. A gente vai dentro das limitações do corpo e da cabeça e é por isso que a gente cria equipes para estar sempre renovando a nossa proposta de trabalho.